sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Zinho se despede do Flamengo: ‘Não ia ter a caneta para assinar’


Zinho interrompeu as férias do Ninho do Urubu. Escolheu o lugar onde passou sete intensos meses no comando do futebol do Flamengo para falar sobre a sua saída do clube. Na sala de entrevistas em que tantas vezes foi aos microfones para contornar crises, despediu-se. O diretor de futebol da presidente Patricia Amorim, cujo contrato termina no próximo dia 31, não aceitou o convite da gestão de Eduardo Bandeira de Mello para ser gerente de futebol. Se dissesse sim, perderia poder e teria o salário reduzido consideravelmente. Preferiu sair. No último ato como dirigente rubro-negro, convocou uma coletiva em que fez agradecimentos e explicou suas razões para se retirar.
Zinho, Flamengo (Foto: Richard Souza / Globoesporte.com)Zinho chega para a entrevista de despedida do Flamengo (Foto: Richard Souza / Globoesporte.com)
- Não estou feliz, gostaria muito de permanecer continuando o processo que começou em 11 de maio, mas infelizmente as condições de trabalho não seriam as mesmas pelo convite que foi feito pela nova gestão. Nós dialogamos por esse período, passei as coisas que permanecessem, mas dentro da filosofia não seriam. Quero deixar claro que não sou eu que não quero ficar. As condições que fizeram isso. Não é não querer ficar no trabalho no Flamengo. Gostaria de ficar dentro daquilo que vinham desenvolvendo, dentor do trabalho de sete meses. E não foi fácil. Peguei o barco no meio do caminho, em muitos momentos fiquei sozinho. Acreditava que nesse trabalho iniciando do zero, dentro do que foi implantado nesse período, de profissionalismo, serieadade, de conduta, e isso foi feito. Com a nova gestão, com dinheiro, achei que isso poderia sair.
Além da questão financeira e da perda de força no clube, Zinho acredita que, mesmo com a chegada de Paulo Pelaipe, novo diretor executivo do departamento, teria volume de trabalho parecido ao da função que exerceu na atual temporada. E, depois dos sete meses em que trabalhou grande parte do tempo sozinho, sem vice de futebol nem gerente, ele apostava numa valorização. Reduzir o salário, para ele, seria justamente o contrário.
- Saio de cabeça erguida. Acho que fiz o meu trabalho, mostrei, tenho o reconhecimento dos torcedores na rua. Em respeito aos torcedores não aceitei essa nova função. Para a rua, para vocês (imprensa), continuaria com o mesmo comando e não exerceria a mesma função. Não ia ter a caneta para assinar. Fazendo o que vinha fazendo, a responsabilidade que assumi em momentos de crise, de dificuldade, acredito que no início do trabalho vocês e os torcedores me veriam da mesma forma.
Razões para a saída
- Fizeram proposta de um ano de contrato, com redução de cerca de 40, 50% do salário. A parte financeira não é o principal. Claro que preciso receber também. Preciso crescer na minha profissão, ser remunerado. Mas deixar bem claro que não é o ponto principal. Mostrando meu trabalho, posso recuperar lá na frente. Mediante ao que me foi oferecido, o cargo que ia ter, vendo o desenrolar que meu cargo seria menor nas decisões, analisei que a cobrança seria do Zinho dos sete meses. Nas primeiras crises, quem estaria de frente? Quem iria se explicar? Viria uma carga de responsabilidade, de cobrança em cima do meu nome, sem estar com esse poder e com essa remuneração. Torço para que dê tudo certo, até como rubro-negro. Mas não vai ser fácil. E eu não quero pagar a conta do início.

Futuro
- Voltei ao mercado, gostei do cargo, vou me preparar mais. Quando uma nova proposta aparecer, certamente vou estar junto de novo, seja no Flamengo ou em outro clube. Sou profissional, sou rubro-negro de coração, mas sou profissional, profissionalismo falou mais alto do que a paixão. Isso não impede de continuar indo ao estádio ver o Flamengo jogar.
Relação com a nova diretoria
- Estou saindo com as portas abertas, palavras do vice-presidente (Wallim Vasconcellos). Isso é bom, ele percebeu a minha personalidade. Antes de falar com vocês quis falar com ele. Respeito as opiniões dele, mas concordar é outra coisa. Desejo toda sorte para essa nova gestão, espero que possam colocar em prática o que está sendo divulgado. São competentes na áreas deles, mas estão entrando no futebol agora, vão ver o tamanho da coisa, que o torcedor tenha paciência com o grupo.
Mudança de função
- A chegada do Pelaipe enfraqueceu a minha função dentro do clube. Minha volta não ia ser tão ativa, não teria a caneta. Desejo sorte, trabalhamos juntos no Grêmio um período, relação muito boa com ele, tem carinho grande pelo meu pai. Desejo sorte ao Pelaipe, está chegando ao Flamengo, um clube totalmente diferente, passei todos os relatórios para ele, deixei por dentro de tudo que era de minha responsabilidade. Tenho visto muita gente falando que estava conduzindo algumas coisas, mas algumas não eram de minha responsabilidade.
Volta ao Flamengo

- As portas estão abertas. Daqui a um tempo, quem sabe? Mas dentro daquilo que eu exigi, dentro daquilo que eu tenha condições de fazer o trabalho que eu vinha fazendo.

Mudança na presidência
- A transição atrapalhou demais, passei os telefones dos empresários de jogadores em fim de contrato para o Pelaipe. Esse período complica para contratar, você não tem como assinar com ninguém. Veja o caso do Renato Augusto. Ele queria jogar no Flamengo, mas o Flamengo não teve como cobrir a oferta do Corinthians. É o mercado. O cara vai ficar esperando? Essa diretoria vai ter essa dificuldade, mas a diretoria tem competência. O Dorival vai permanecer, o Pelaipe deve manter o trabalho que nós começamos, mas vai levar um tempo.
Críticas por falta de experiência

- Sem dinheiro, sem credibilidade de mercado, pode vir o mais experiente que não vai contratar. O mercado está muito caro, isso me assustou, salários altos, números altos no Brasil. Quando se fala de Flamengo, esses números crescem. Posso falar porque estava administrando isso. Quando cheguei, o Flamengo não tinha patrocinador master, muitas penhoras, verbas de televisão comprometidas. Como vai contratar um jogador caro se o grupo que está aqui está com bicho, salários, 13º atrasados? E sozinho. Já não tinha mais vice-presidente, não tinha gerente. Era eu, treinador e o supervisor para as partes burocráticas. E isso com crise política no clube, ano de eleição, administrar tudo isso foi uma frustração. Fiquei com braços atados, presos, sem condições de desenvolver a parte de contratação. Vários jogadores me ligam, perguntam do 13º, salário de novembro. Os jogadores ainda têm débito. Não é fácil essa adminstração, ainda mais meio que sozinho. Isso foi uma coisa ruim, os números são altos e sem condição de confiança no mercado ficou muito difícil. As turbulências, problemas com grandes ídolos, Adriano, troca de Joel por Dorival, saída do Deivid, que o clube tinha uma dívida muito grande com ele, saída do Kleberson, diminuição da folha de pagamento, pagamento desses jogadores. Você acerta tudo com o atleta, mas não tem dinheiro para pagar.
Os principais momentos de Zinho no Flamengo:
Caso Ronaldinho Gaúcho
Logo que assumiu sua função, Zinho já teve um grande problema para resolver, que atendia pelo nome de Ronaldinho Gaúcho. Responsável direto pela queda de Vanderlei Luxemburgo, o ex-camisa 10 tinha uma rotina de problemas disciplinares. De início, o novo diretor conversou com o jogador e chegou a encobrir indisciplinas e defendê-lo quando apareceu sem condições ideais para treinar. Aos poucos, porém, a situação ficou insustentável. Na viagem do time para um amistoso em Teresina, Ronaldinho não apareceu e nem ligou para Zinho. Na ocasião, Paulo Cesar Coutinho, vice de futebol, foi flagrado por torcedores dizendo que o jogador estava afastado. O diretor foi acordado no hotel da delegação no Piauí já tendo que desarmar mais uma bomba. Horas depois, porém, veio à tona que o ex-camisa 10 entrara na Justiça contra o clube. Zinho, então, falou abertamente sobre as indisciplinas do jogador e afirmou:
- Acabou a festa, acabou a bagunça.
Fritura e queda de Joel Santana
Desde o começo da fritura interna de Joel, Zinho foi obrigado a conviver com notícias de possíveis substitutos e foi o principal responsável por manter o treinador no cargo. O diretor teve de ir à imprensa para esclarecer que não tinha procurado Dunga, nem Jorge Sampaoli, e pediu paz para o técnico. Mas o próprio dirigente já não estava satisfeito com o trabalho de Joel. Zinho se desgastou ao servir de escudo para o ex-treinador. Depois da derrota por 1 a 0 para o Cruzeiro, a demissão, enfim, foi consumada. E logo em seguida Zinho já teve de esclarecer que não fizera nenhum contato com Dorival Júnior.
Juan, Diego e o caso Riquelme
Outros desgastes para o dirigente. Depois de iniciar a negociação com Juan em maio, o zagueiro preferiu o acerto com o Internacional. Zinho deixou clara sua insatisfação. Mas a busca sem sucesso por um camisa 10 foi mais penosa. O diretor mantinha contato com Diego em sigilo, quando o vice de finanças Michel Levy comentou abertamente sobre a vontade do clube de contar com o jogador. O Flamengo deu sua cartada para tentar a contratação junto ao Wolfsburg-ALE, mas o negócio não foi adiante.
Quase ao mesmo tempo, Zinho mantinha contatos com o plano B, que era Riquelme, mas em suas declarações evitava admitir a negociação. Foi noticiado, então, que Levy teria uma conversa com representantes do jogador - o que não aconteceu. Mas o episódio deixou Zinho extremamente irritado, e ele chegou a cogitar um pedido de demissão. O clube intensificou as negociações com o argentino às vésperas do fechamento da janela de transferências internacionais. Mas, depois da derrota por 3 a 0 para o Corinthians, o camisa 10 do Boca Juniors recusou o convite, segundo Zinho, com a alegação de que teria ficado assustado com a atuação do time e pressão.
- Houve uma polêmica com o vice de finanças, porque eu estava negociando com o jogador, mas, como no Flamengo é impossível negociar sem que as coisas vazem... A primeira opção era o Diego, mas haveria novas possibilidades. Eu não falava da minha boca, parecia que não queria o Riquelme. Belíssimo jogador, nome maravilhoso, mas infelizmente não virá - justificou Zinho, ao ser questionado sobre o fato de ter negado as conversas com Riquelme.
Aposta e frustração com Adriano
Adriano chegou ao Flamengo para iniciar a terceira passagem pelo clube em 22 de agosto. Fora de forma, visivelmente acima do peso e ainda em recuperação da segunda cirurgia no tendão de Aquiles do pé esquerdo, adotou um discurso otimista em sua apresentação na sala de imprensa do Ninho do Urubu. Esperava voltar a ser o Imperador e previa a reestreia com a camisa 10 rubro-negra em um mês. Nada feito. Setenta e cinco dias depois, terminou a sua terceira passagem pelo clube ainda como ídolo, mas pela porta dos fundos. Em má forma, saiu sem ter sequer ficado no banco de reservas em uma partida oficial.

O contrato de produtividade terminou no último dia 22, algo que o Flamengo já poderia ter feito antes. Conforme previsto no acordo, três advertências por indisciplina dariam ao clube o direito de demitir o atacante. Adriano ultrapassou o limite, foi multado, teve o contrato de imagem suspenso, mas contou com a paciência de Zinho, que insistiu na tentativa de recuperação. Não conseguiu. As sucessivas faltas demoliram a confiança e a persistência do dirigente em ver Adriano novamente em campo, como um atleta de alto nível. Com o caso no limite e a falta de compromisso do jogador, foi preciso recuar.
- Eu não vou desistir do Adriano, mas de recuperar o ser humano, é uma missão minha, particular. Sem os holofotes, sem essa vida que ele leva que não condiz com a de um atleta profissional, talvez eu possa ter sucesso para recuperar esse ser humano. Mas, profissionalmente, chegou no limite. O Adriano realmente não tem o meu apoio como profissional. O ser humano tem escolhas. Ele está escolhendo errado. A parte profissional não progride porque ele erra em outras coisas: as companhias, o encontro com Deus. Hoje é muito difícil (a volta de Adriano em 2013) – disse Zinho, no início de novembro.

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